A Estrutura da Luz e a Interação Luz-Matéria

Alberto Mesquita Filho     
outubro de 2017
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6. A interação do tipo V

6.1 A dupla refração em cristais

A interação do tipo V é a responsável pela dupla refração, fenômeno que ocorre em quase todos os cristais, tendo sido descrito pela primeira vez por Erasmus Bartholinus, no século XVII, e posteriormente analisado por Huygens e Newton. Em alguns cristais o fenômeno é bastante acentuado como, por exemplo, no espato da Islândia [54] ou cristal-da-islândia. Como fizemos no item anterior, vamos evoluir do efeito (aquilo que se observa experimentalmente) para a causa (a interação propriamente dita) a produzir este efeito. Consequentemente, deixaremos, por ora, a interação de lado.

Na figura 55 à direita está representado o comportamento de um feixe de luz que incide perpendicularmente sobre uma das faces do cristal-da-islândia em um ponto pertencente à diagonal menor desta face. Ao ser refratado, o feixe subdivide-se em outros dois, um segundo a normal (feixe O ou ordinário), obedecendo a lei de Snell-Descartes, e o outro afastando-se da normal (feixe E ou extraordinário). Este último está em desacordo com a referida lei.

Figura 55

Figura 55: À esquerda, amostra de Espato da Islândia.
À direita, incidência de um feixe de luz perpendicularmente
sobre uma das faces do romboide, e a sua subdivisão em
dois raios refratados.

Nota-se que os dois feixes se situam no plano formado pelas diagonais AB e A’B’. Biot se referiu a este plano como plano da seção principal do cristal [55] e, como veremos, ele se mostrará bastante útil para o nosso estudo. A figura 56 ilustra uma das particularidades deste plano. À esquerda (a) temos o mesmo feixe mostrado na figura anterior, com incidência perpendicular. No meio (b) e à direita (c) temos outros dois feixes incidindo no mesmo ponto I, porém obliquamente. Nos três casos considerados os feixes extraordinários E situam-se neste plano e nos três casos eles desviam-se para o mesmo lado em relação ao feixe ordinário O, afastando-se do mesmo e aproximando-se do ângulo sólido B’.

Figura 56

Figura 56: Refração da luz segundo o plano da seção principal do cristal.

Na figura está representado um segmento de reta IA” paralelo à diagonal AA’. Pois bem, tudo se passa como se as partículas componentes do feixe incidente, e que vão entrar na constituição do feixe extraordinário ficassem, nas proximidades do ponto I, sujeitas a uma força na direção do segmento IA” e no sentido a enfraquecer o efeito provocado pelo campo refrator. Em virtude deste fato, a linha AA’ é chamada eixo do cristal. Neste caso (cristal-da-islândia) a força é repulsiva [56].

Para que fique claro o relacionamento entre a direção da força e a direção do eixo do cristal, pode-se efetuar cortes no cristal perpendiculares ao eixo, como mostra a figura 57, obtendo-se duas faces abc e a’b’c’ paralelas entre si. Um feixe de luz incidindo perpendicularmente a essas faces, estará paralelo ao eixo e verifica-se que não ocorre a dupla refração. Neste caso a força a agir sobre o feixe extraordinário não provocará desvios, e o feixe coincidirá com o feixe ordinário. As forças são, portanto, dirigidas sempre na direção do eixo do cristal.

Figura 57

Figura 57: Cortes no cristal perpendiculares ao seu eixo AA'.

Voltemos à refração mostrada na figura 56. Quando os raios saem do cristal pela face oposta (segundo a linha A’B’) o feixe ordinário sofrerá nova refração a respeitar a lei de Snell-Descartes, ao passo que o feixe extraordinário sofrerá nova refração extraordinária, agora em sentido contrário à primeira e tal que os dois feixes tornem-se paralelos, como mostra a parte superior da figura 58.

Figura 58

Figura 58: Explicação no texto.

A figura mostra também o que acontecerá com esses dois feixes paralelos E e O quando eles atravessam um segundo cristal disposto de maneira semelhante ao primeiro. Nestas condições, o feixe que sofreu refração ordinária no primeiro cristal, sofrerá agora nova refração ordinária; e o feixe que sofreu refração extraordinária, sofrerá agora nova refração extraordinária [57]. Ou seja, o segundo cristal não divide mais os feixes, como aconteceu com o primeiro. Existe então uma propriedade inerente aos raios que constituem o feixe primitivo e a proporcionar a divisão do mesmo em dois feixes distintos. Os raios que constituem os feixes ordinários e extraordinários aparentam ser de tipos diferentes. Essa propriedade é conservada em refrações sucessivas. Como afirmou Newton, a refração extraordinária se dá, então, por uma propriedade original dos raios.

Se girarmos o cristal inferior da figura 58 de um ângulo de 90º segundo a normal N, o feixe que sofreu refração ordinária no primeiro cristal irá agora sofrer refração extraordinária no segundo cristal [57] e vice-versa. Isto significa, como afirmou Newton, que não há duas espécies de raios que diferem uma da outra em sua natureza. A diferença decorre das posições dos lados dos raios no plano da secção principal. Os raios são então do mesmo tipo, apenas estão posicionados diferentemente em relação ao cristal.

Em decorrência do acima exposto, todo raio pode ser considerado como tendo quatro lados ou quatro quartos, dois dos quais, opostos um ao outro, fazem com que o raio tenda a ser refratado da maneira extraordinária [58]. Os quatro lados estão representados na figura 59 (comparar com a figura 1, comentada, de passagem, no início deste artigo).

Figura 59

Figura 59: Os lados do raio de luz.

6.2 Sobre a força a provocar a dupla refração

A refração extraordinária no cristal-da-islândia parece decorrer de algum tipo de disposição ou virtude alojada em certos lados tanto dos raios como das partículas do cristal [59]. Newton comparou essa virtude ao magnetismo, ainda que reconhecendo tratar-se de um fenômeno de outro tipo. A superfície do cristal, além de originar o campo refrator já comentado (vide 2.3.1), parece originar também, em virtude da orientação das partículas do cristal, um campo que seria o responsável pela refração extraordinária e com características, sob certos aspectos, semelhantes ao campo magnético de um imã. Vejamos então algumas semelhanças e diferenças entre esses campos.

O eixo do cristal, por exemplo, seria o equivalente do eixo norte-sul de um imã, mas nos cristais uniaxiais [60] apenas um dos polos do raio de luz está sujeito à ação do campo, qual seja, o lado da refração extraordinária (figura 59); o outro polo ou lado da refração ordinária, é indiferente ao campo. Outra diferença importante é que o campo responsável pela dupla refração age apenas nas proximidades da superfície do cristal, mostrando-se ausente em distâncias maiores, tanto dentro quanto fora do cristal; já vimos algo semelhante a isso quando da caracterização do campo refrator. A figura 60 ilustra como poderia ser esquematizada a ação do campo sobre os dois raios isolados da figura 59; optamos pela incidência perpendicular, pois nesta incidência o campo refrator não provoca desvio em nenhum dos raios e, portanto, qualquer desvio será devido ao campo da dupla refração. O campo age apenas sobre o lado ou polo representado em verde.

Figura 60

Figura 60: Explicação no texto.

É interessante notar que na entrada no cristal a força é repulsiva como relatado acima, mas na saída do cristal a força é atrativa e desta forma o raio extraordinário retoma a sua direção original. Quando o raio extraordinário atravessa o campo aproximando-se do eixo do cristal a força é repulsiva, mas quando faz o mesmo afastando-se do eixo do cristal a força é atrativa. Ou seja, o sentido do movimento do raio (ou o sentido da velocidade do raio) é determinante do sentido da força a que estará sujeito, o que também é observado no magnetismo. Observa-se também que graças a esse efeito, o raio extraordinário respeita o princípio da reversibilidade.

6.3 Sobre a dupla refração e a estrutura dos raios da luz corpuscular

Vamos agora procurar entender como poderiam ser esses lados dos raios de luz segundo a teoria corpuscular. A figura 52c sintetiza o estágio em que nos encontrávamos em 5.5 quanto a nossa tentativa em interpretar a estrutura de um raio de luz material apoiada na experimentação. Novos experimentos surgiram agora, a sugerir que a disposição dos corpúsculos deve se associar a essa ideia de lados dos raios. Uma possibilidade bastante plausível seria a de que os corpúsculos A e B estivessem dotados de um giro, como mostra a figura 61. Sob essa suposição os corpúsculos A e B da figura 52c seriam então idênticos, porém dotados de giros alternados. Para um mesmo ângulo de visão, se A gira no sentido horário, B gira no sentido anti-horário e vice-versa (figura 61 à esquerda).

Figura 61

Figura 61: Os lados dos raios da luz corpuscular.

Na figura 61 à direita temos a disposição frontal de dois raios dispostos de maneiras muito particulares, tal que os corpúsculos giram, em relação ao plano da página, segundo um eixo ora horizontal, ora vertical. Em um feixe de luz esses eixos, desde que perpendiculares à direção de propagação, devem se dispor de maneira aleatória e abrangendo todas as direções possíveis, num ângulo de 360º. A figura 62 ilustra um possível corte transversal de um feixe de luz com essa disposição aleatória.

Figura 62

Figura 62: Feixe de luz em corte transversal.

É possível, não obstante, simplificar essa disposição aleatória ilustrando o fenômeno através de uma disposição hipotética, porém equivalente; e dependendo do que se pretenda estudar, poderá se mostrar bastante útil do ponto de vista didático. A figura 63 (gif animado) ilustra como pode se chegar a essa disposição.

Figura 63
Figura 63: Explicação no texto.
(gif animado)

6.4 Analogias entre as teorias corpuscular e ondulatória

Temos nos referido pouco a respeito da luz ondulatória para não nos tornarmos redundantes, haja vista que a literatura sobre o tema é por demais abundante. Seria interessante, no entanto, traçarmos um paralelismo entre as interpretações corpuscular e ondulatória no que tange ao fenômeno que propiciou a constatação da existência de lados dos raios de luz e que foi importante para que, no século XIX, os adeptos da teoria ondulatória, em especial Fresnel e Young, assumissem a ideia de onda transversal; e que, a partir de Faraday e Maxwell, evoluiu para o que hoje chamamos onda eletromagnética.

O que estamos considerando como sendo um único raio de luz, teria como equivalente, na teoria ondulatória eletromagnética, uma onda cujos campos elétrico e magnético propagam-se oscilando em dois planos perpendiculares à direção de propagação da luz (figura 64 à esquerda). À direita, na figura 64, temos a representação do raio de luz corpuscular correspondente a essa onda. Os lados do raio em que se observa o equador dos corpúsculos, correspondem aos lados onde o campo magnético da onda eletromagnética oscila (azul na figura); e os lados em que se observa os polos dos corpúsculos, correspondem aos lados onde o campo elétrico oscila (vermelho).

Figura 64

Figura 64: À esquerda, representação de onda eletromagnética plano-polarizada;
à direita, representação de um raio de luz corpuscular.

O corte frontal de um feixe de luz, constituído por inúmeros raios de luz como este, poderia então ser esquematizado, segundo a teoria ondulatória eletromagnética, como mostra a porção central da figura 65 e, segundo a teoria corpuscular, como mostra a porção periférica. Na teoria eletromagnética é costume representar apenas a oscilação dos campos elétricos (em vermelho) através de flechas diametralmente opostas.

Figura 65

Figura 65: Representação esquemática de um feixe de luz.

Vejamos agora como seriam formados os feixes ordinário O e extraordinário E, quando um feixe como este (figura 65) incide na superfície de um cristal. Vamos analisar o caso da incidência perpendicular ao eixo do cristal AA’ e formando um certo ângulo com a normal N no ponto de incidência (figura 66a). O feixe extraordinário E será formado pelos raios cujos corpúsculos giram em consonância ou dissonância com alguma propriedade do cristal, sendo, portanto, afetados ou por uma força atrativa, ou por uma força repulsiva. No cristal-da-islândia, como vimos, a força é repulsiva. O feixe extraordinário O será formado pelos raios que não se sujeitam a essa propriedade do cristal. Via de regra a imagem dos dois feixes refratados têm iguais luminosidades [61] e, portanto, podemos assumir que o feixe incidente é dividido em duas partes de mesmo tamanho (figuras 66b e 66c).

Figura 66

Figura 66: Representação esquemática dos feixes O e E.

Como mostra a figura 66, o feixe incidente se desdobra em quatro leques de 45°, agrupados dois a dois. Não sabemos, por ora, se esses leques permanecerão com essa disposição nos feixes E ou O, ou se terão seus ângulos de abertura afetados pelo campo da dupla refração. Dito de um modo mais rigoroso, haja vista que os leques são hipotéticos e construídos conforme mostra o gif animado da figura 63, não sabemos, por ora, se o campo da dupla refração irá ou não afetar a direção do eixo de giro de cada corpúsculo dos raios de luz. Na interpretação ondulatória é comum admitir-se o fechamento total dos leques e, neste caso, o campo elétrico de cada um dos feixes oscila em um único plano. Há, no entanto, uma experiência realizada por Huygens a demonstrar que isto certamente não ocorre. A experiência é a mesma descrita logo após a apresentação da figura 58, porém para o caso em que o cristal inferior sofre um giro, segundo a normal N, de um ângulo diferente de 90°. Neste caso, tanto o feixe ordinário quanto o extraordinário dividem-se em outros dois raios, por vezes alguns menos brilhantes que outros, consoante as diferentes posições dos cristais [62]. Se a oscilação (teoria ondulatória) ou o giro (teoria corpuscular) se desse segundo um único plano, esta segunda divisão dos feixes não poderia mais acontecer, pelo menos sob o ponto de vista da física clássica [63].

Mesmo não havendo o fechamento total dos leques, a verdade é que o feixe incidente foi dividido em dois feixes de alguma forma orientados segundo dois planos perpendiculares entre si e perpendiculares em relação à direção da propagação. Sob esse aspecto, podemos dizer que os feixes refratados são plano-polarizados, se bem que não chega a ser uma polarização total. Na polarização total os feixes teriam todos os seus raios posicionados espacialmente de maneira idêntica e a imagem resultante seria idêntica àquela mostrada na figura 64 para um raio único.

7. A interação do tipo VI

7.1 Generalidades

A interação do tipo VI é a mais complexa e a que deu origem ao maior número de controvérsias entre os estudiosos do assunto. Associa-se à absorção ou emissão da luz pelos corpos, temas esses abordados de maneira apenas superficial nos primórdios da Óptica. Newton, por exemplo, focaliza o assunto no sentido de deixar clara a ideia de que os corpos pesados e a luz são convertíveis um no outro, ou então que corpos aquecidos emitem luz, bem como no fato de que a luz aquece os corpos [64]. É comum também Newton se referir ao que hoje chamamos por absorção dizendo que os corpos interceptam e suprimem os raios que não refletem ou transmitem [65]. Esta supressão não deve ser interpretada no sentido de extinção, mas sim como a incorporação da luz pela matéria. Afinal, para Newton, luz é matéria. O raio de luz deixa de existir como tal, e neste sentido é suprimido, mas seus corpúsculos permanecem íntegros, ainda que sob uma nova roupagem. Com respeito à transmissão de calor entre os corpos, que muitas vezes é intermediada pela luz (radiação térmica), Newton legou-nos o que nos dias atuais costuma-se conotar por lei do resfriamento [66].

A complexidade do tema se deve principalmente ao fato de que tanto na absorção, quanto na emissão, entram em ação quatro dentre os principais ramos da física clássica: a Óptica, a Mecânica, a Termodinâmica e o Eletromagnetismo. Esta associação nem sempre é simples. Por vezes a interpretação de um fenômeno a alicerçar o que se conhece sobre uma dessas disciplinas, contraria os princípios que sustentam outra teoria de outra disciplina, daí surgindo inúmeras controvérsias até que se chegue a um ponto de vista comum, o que nem sempre acontece.

Para que não pairem dúvidas quanto a interpretação, vamos antes apresentar alguns parâmetros físicos a caracterizarem o raio de luz corpuscular. Em 5.3.6 ficou explícito que a distância 2l entre dois corpúsculos semelhantes de um raio de luz é uma propriedade da luz monocromática em consideração. Tanto é que Young utilizou essas medidas de 2l efetuadas por Newton para atribuí-las ao que chamou por comprimento de onda l da luz. Podemos então utilizar o mesmo l, porém com a conotação corpuscular: l = 2l = distância entre dois corpúsculos semelhantes, podendo também ser chamado por comprimento do intervalo entre os fits ou, simplesmente, comprimento l. É fácil verificar que 2/l representa o número de corpúsculos na unidade de comprimento, ou então que para a luz viajando a uma velocidade c, podemos escrever

c = ∆s/∆t = l/T = ln

ou

l = c/n. (25)

T é o período, ou intervalo de tempo entre a passagem de dois corpúsculos semelhantes e contíguos por um mesmo ponto ou plano do espaço, e n é a frequência a caracterizar este movimento (número de corpúsculos semelhantes a passarem por um ponto do espaço na unidade de tempo). Em dúvida pense na frequência com que as balas da rajada de uma metralhadora atingem uma superfície, considerando apenas as balas de ordem ímpar ou de ordem par. Qualquer semelhança entre as propriedades l e n com as correspondentes da mecânica ondulatória não é mera coincidência. Estou utilizando os mesmos símbolos da física ondulatória clássica apenas para tornar a ideia mais clara para o leitor que já está acostumado com essas notações. Mesmo porque elas são, como mostrado acima, operacionalmente semelhantes.

7.2 Sobre a interação do tipo VI

As interações luz-matéria estudadas até agora processam-se à distância ou, quando muito, através de um contato mais íntimo em que há uma incorporação momentânea da luz pela matéria seguida da separação, e sem que ocorra uma modificação substancial da luz a não ser por um possível desvio de trajetória (reflexão, refração ou dispersão). Estamos agora frente a uma realidade totalmente diversa: ou a luz é originada a partir da matéria (emissão) ou é consumida no seio da matéria (absorção). Havendo absorção de luz pela matéria, a luz enquanto tal deixa de existir e isto deve se processar segundo mecanismos bastante diversos, conforme interpretados segundo a teoria corpuscular ou segundo a teoria ondulatória. No primeiro caso, há incorporação de matéria pela matéria, com tudo o que lhe acompanha (massa, momento e energia). No segundo caso, e pensando-se em termos estritamente clássicos (onda clássica) haveria apenas incorporação de momento (ou movimento) com a correspondente energia. Neste segundo caso a matéria permaneceria como tal, apenas que enriquecida energeticamente. Na emissão da luz, o processo seria o inverso. Em termos de física quântica a situação é bastante diversa, mas por ora não abordaremos o assunto por este ponto de vista, mesmo porque a física quântica surgiu exatamente em virtude de os físicos clássicos não conseguirem explicar o que iremos estudar nos próximos itens.

Sob o ponto de vista termodinâmico, podemos subdividir tanto a absorção quanto a emissão em dois tipos, conforme a energia ganha ou cedida pela matéria esteja ou não associada ao seu conteúdo de calor Q. Havendo esta associação, a luz emitida é comumente chamada por radiação térmica, e esta absorção ou emissão via de regra está acompanhada pelo aquecimento ou resfriamento da matéria (∆Q = mc∆T). O aquecimento ou resfriamento pode não ocorrer nos casos em que a absorção iguala a emissão. O outro caso é aquele em que um elétron dos átomos da matéria incorpora um raio de luz específico, passando a um estado energético diverso do inicial; ao emitir este mesmo raio de luz sem alterações outras que não a sua direção, o elétron retorna a seu estado inicial, não havendo modificação no conteúdo de calor da matéria. Este processo via de regra é reversível, ao contrário do anterior que, via de regra, é irreversível [67].

7.3 O Efeito Fotoelétrico

Entre 1886 e 1887 Hertz demonstrou experimentalmente a existência de ondas eletromagnéticas que, a partir de então, passaram a ser chamadas ondas de Hertz. Tudo indica que essas ondas existem de fato como tais: propagação de campos eletromagnéticos variáveis no tempo, podendo ser captadas por um indutor. Pertencem à seara do eletromagnetismo, assim como as ondas sonoras pertencem à seara da mecânica. Durante seus experimentos Hertz notou que quando a luz (mas não as ondas eletromagnéticas que estava produzindo) incidia sobre o cátodo, a descarga ficava mais intensa, ampliando desta forma a produção dessas ondas eletromagnéticas. Esta ampliação era decorrente de que o cátodo, sob a influência da luz, emitia raios catódicos, partículas já conhecidas na época e que posteriormente foram identificadas por Thomson (1897) com o que hoje chamamos por elétrons. Atribui-se então a Hertz a descoberta do efeito fotoelétrico e que mais tarde foi interpretado como a emissão de elétrons por uma superfície metálica, devido à incidência de raios luminosos sobre a mesma. Os elétrons arrancados do metal pela radiação incidente são chamados fotoelétrons.

Não demorou muito para que se percebesse que essa experiência representava mais uma dentre inúmeras outras a retratar a inconsistência da teoria ondulatória clássica [68]. Sobre esse falseamento o leitor poderá encontrar inúmeros artigos em revistas ou na internet [69]. Por outro lado, quando tentamos interpretar a experiência sob o ponto de vista clássico, isto nos leva a responder positivamente algo que foi questionado há mais de trezentos anos: Os raios de luz não são corpos minúsculos emitidos pelas substâncias que brilham? [70] Não tenho escrúpulo em mais uma vez destacar a importância de que se entenda que esses corpos minúsculos não devem ser interpretados como “bolinhas minúsculas”, o que costuma ser feito com grande frequência e de uma maneira por demais tosca. Pois um corpo minúsculo pode ser uma corda minúscula ou qualquer outro objeto pequeno com formato diverso ao de uma bolinha; ou, até mesmo, um conjunto de bolinhas coesas e a constituírem os raios de luz, como supusemos em itens anteriores [71].

A figura 67 ilustra o efeito fotoelétrico. Um raio de luz ultravioleta de frequência n incide sobre o cátodo C arrancando do mesmo um elétron que é atraído pelo ânodo A.

Figura 67

Figura 67: Efeito Fotoelétrico.

Mesmo não havendo inicialmente uma diferença de potencial (ddp) entre os eletrodos (V = 0), a luz incidente irá promover uma corrente i no circuito, denunciando a emissão de elétrons pelo cátodo. Ao se criar uma ddp negativa (cátodo positivo e ânodo negativo), os elétrons vão sendo freados ao se dirigirem ao ânodo, e aqueles com menor energia cinética acabam voltando ao cátodo. Neste caso verifica-se pelo amperímetro que a intensidade da corrente i diminui. Aumentando-se a ddp negativa atinge-se, quando V = - Vo, a situação em que a corrente se anula. Invertendo-se a polaridade (cátodo negativo e ânodo positivo e, portanto, V > 0) a corrente cresce até atingir um ponto de saturação. A figura 68 ilustra o que acontece em duas condições que diferem apenas quanto à intensidade da luz incidente (Ia e Ib, com Ib > Ia). Notar que Vo é o mesmo para as duas condições, desde que a frequência n seja a mesma, bem como o metal que constitui o cátodo. Para feixes de luz de outras frequências Vo será diferente.

Figura 68

Figura 68: Explicação no texto.

O ponto de saturação (corrente imax) deve-se ao fato de que toda a luz absorvida se traduz na ejeção de elétrons com energia cinética K suficiente para atingir o ânodo. Ao se reduzir o potencial V, os elétrons com menor energia cinética retornam ao cátodo. Nas vizinhanças de -Vo apenas os elétrons com o máximo de energia cinética atingem o ânodo, e a partir daí (V < -Vo) o efeito deixa de ocorrer. Vo, em valor absoluto, é, portanto, o potencial capaz de frear os elétrons com energia cinética máxima (Kmax):

  Kmax = (1/2 mv2)max = eVo (26)

A única explicação para este achado experimental foi encontrada por Einstein em 1905. Einstein assumiu que os feixes de luz continham corpúsculos ou pacotes de energia localizados ou, ainda, quanta de luz, que eram absorvidos pelos elétrons do cátodo. Ou seja, toda a energia E destes corpúsculos seria incorporada pelos elétrons. Parte desta energia seria utilizada para o trabalho w de liberação do elétron do material, e o restante permaneceria no elétron como energia cinética. Alguns elétrons estão ligados mais fortemente do que outros ao material e, portanto, o trabalho w varia de um elétron para outro. Os elétrons mais periféricos estão ligados mais fracamente e, portanto, são aqueles que necessitam o valor mínimo (wo) para o trabalho de liberação. Este trabalho mínimo wo é característico para cada material. Pois são esses os elétrons que adquirem a energia cinética máxima Kmax. Temos então:

  Kmax = E – wo = eVo (27)

Para uma mesma frequência n, todos os quanta de luz, ou fótons, têm a mesma energia E. Como assumido por Einstein, seu valor seria

  E = hn, (28)

em que h é a constante de Planck (a teoria de Planck será objeto de estudo do subitem 7.6). Aceitando-se a hipótese de Einstein, percebe-se que o efeito somente ocorre para frequências superiores a um valor no tal que

  hno = wo (29)

pois para valores inferiores a esse nenhum elétron conseguirá se libertar do cátodo.

A interpretação de Einstein somente foi comprovada experimentalmente em 1914 através de uma experiência de Millikan [72] a demonstrar a linearidade (equação 27) da função Kmax = f(n) mostrada na figura 69 [73] e a permitir também a determinação numérica de wo e h.

Figura 69

Figura 69: Experiência de Millikan (1914)

7.4 Mais propriedades do “fóton clássico”

O termo fóton foi proposto por Lewis em 1926 [74] para os quanta de energia eletromagnética descritos por Einstein em 1905 e, a partir de então, o termo foi consagrado universalmente. Tendo em vista o exposto no subitem 7.3, podemos pensar nos raios de luz como corpúsculos filiformes e, até mesmo, chamar estes corpúsculos por fótons clássicos. Vamos então atualizar a apresentação das propriedades estruturais desses fótons clássicos, uma tarefa que começou no subitem 2.3.2 e que foi sendo aprimorada sequencialmente em vários subitens deste artigo [75].

Diante do exposto até agora, pode-se concluir que esses fótons clássicos têm um comprimento L finito. Vejamos então como relacionar este comprimento com as demais propriedades. Pensando na luz como um corpúsculo filiforme clássico viajando num espaço livre de campos e na velocidade c, a sua energia estará sob a forma cinética [76]. Esta é a energia que os fótons clássicos trazem quando vão participar do efeito fotoelétrico. Logo, de acordo com a equação 28, podemos escrever:

  equação 30 (30)

em que mF é a massa do fóton clássico. Podemos então reescrever a equação 30 na forma

equação 31 (31)

ou então

  equação 32. (32)

Mas mF = Nmc, em que N é o número de corpúsculos que compõem o raio (fóton clássico) e mc é a massa de cada um desses corpúsculos (lembrar que os corpúsculos são idênticos, a menos de estarem dotados de giros alternados [6.3]. Portanto, da equação 31 obtemos:

  Nmcl = constante (33)

ou ainda

  Nl = constante (34)

podendo-se também verificar que

  equação 35 (35)

A distância entre cada dois corpúsculos contíguos é igual a l/2, como vimos em 7.1. Portanto

  equação 36    [77] (36)

em que a constância decorre do observado na equação 34.

Conclusão: Todos os fótons clássicos têm comprimentos L iguais e a frequência é diretamente proporcional tanto à massa dos fótons (equação 32) quanto ao número de corpúsculos (equação 35) que entram na sua constituição.

 

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