A Estrutura da Luz e a Interação Luz-Matéria

Alberto Mesquita Filho     
setembro de 2017
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2.3 Análise crítica dos modelos mecânicos apresentados no item 2.2

Frente aos modelos apresentados e seguindo uma abordagem um tanto quanto ingênua, poderíamos aceitar a ideia de que os raios de luz seriam formados por corpúsculos, como supôs Newton, ou então que seriam resultantes da vibração de corpúsculos existentes em um meio etéreo, como supôs Huygens. Não obstante, e para avançarmos nesta linha de raciocínio, há muita coisa a ser discutida e relacionada à interação de tipo I. A questão da velocidade da luz em meios transparentes, como foi referido no item 2.2.4, será analisada em momento apropriado, quando formos discutir a interação do tipo III. Os demais questionamentos são apresentados a seguir.

2.3.1 Sobre o campo refrator.

Algumas dentre as experiências efetuadas por Newton (a exemplo daquela mostrada no item 2.1) e assumindo a ideia de luz corpuscular podem ser interpretadas como provas quase incontestáveis da existência de um campo refrator (utilizando uma nomenclatura moderna). Algumas sutilezas relacionadas sejam ao poder de ação do campo, sejam à natureza do mesmo, merecem ser aqui apresentadas.

A equação 9 mostrou como se comporta a relação v2/v1 entre as velocidades de pequenos objetos ao sairem (v2) e ao entrarem (v1) em um campo uniforme qualquer. Mais adiante a expressão foi generalizada para campos não uniformes (equação 12), verificando-se a compatibilidade desta equação com a que seria obtida com a luz corpuscular em campos refratores. Nestes casos, n seria o índice de refração. A semelhança entre a equação 12 e a “esperança de Descartes” (equação 1) sugere uma equivalência entre o que provavelmente acontece (trajetória curva com v variando continuamente) e a situação hipotética assumida por Descartes (variação brusca de v1 para v2 provocada por um golpe instantâneo, com v2 permanecendo constante no restante do campo). Dependendo do cálculo que se pretenda efetuar os resultados serão os mesmos, podendo-se assumir esta simplificação; além do que, nestes casos, a adoção da equivalência incorpora um valor didático. Newton assumiu esta simplicidade em algumas interpretações do fenômeno luz, como mostrarei a seguir.

Seja então um raio de luz propagando-se no meio 1, que suporemos tratar-se do vácuo, e adentrando em um campo refrator situado na superfície de separação com um meio 2. O raio incide quase paralelamente a essa superfície e no ponto C, de forma que o ângulo de incidência qi seja praticamente igual a 90º (figura 14).

Figura 14
Figura 14: Explicação no texto

Assumindo-se a simplificação cartesiana, a velocidade muda bruscamente de v1 para v2 no ponto C, e a trajetória do raio de luz no campo refrator será aquela mostrada na figura 14. A figura é autoexplicativa no que diz respeito à relação entre a velocidade v2 com o correspondente espaço percorrido CR (ou suas respectivas projeções CB e BR nos eixos x e y).

Do que foi dito na demonstração da equação 9, no item 2.2.2, decorre que, para o caso de um campo uniforme, a velocidade v elevada ao quadrado será, em qualquer ponto da trajetória no seio do campo refrator, função de v1, da força F [pois F = f(a)] e da distância percorrida entre o ponto de entrada no campo e o ponto considerado (no caso, será função da projeção vertical h desta distância). Para o caso ora em estudo, v1 = c = constante e o h máximo é a espessura BR do campo refrator, e será sempre a mesma para o meio considerado quando em confronto com o vácuo. Podemos então assumir que v22 quando o raio de luz sai do campo e já no meio 2, terá um valor a depender apenas de F. E como v varia apenas segundo o eixo y, a função pode sempre ser expressa apenas segundo a componente y de v2, ou seja,

v2y2 = f (F) .

Pode-se demonstrar que se F variar continuamente, como deve acontecer, ainda assim v2y2 em R será função de F segundo uma expressão mais complexa e a integrar F durante todo o percurso entre C e R.

Newton utilizou a simplificação cartesiana (figura 14) para caracterizar o que chamou por poder refrator através da expressão:

  Figura 14 (14)

Tal e qual a força F, o poder refrator assim definido é função apenas de BR2 = v2y2, pois CB depende apenas de BR (v2x = constante = c). BR é propriedade do meio considerado (no caso, meio 2).

Evoluindo a expressão 14 temos:

equacao

(pois para qi = 90º, senqr = 1/n).

Então, simplificando o último termo da expressão:

  Poder refrator = n2 – 1 . (15)

Newton observou [15] que o poder refrator assim definido é muito aproximadamente proporcional à densidade r do meio considerado (no caso, o meio 2), o que poderia ser escrito da forma n2 - 1 = kr ou n2 = kr + 1. Em 1864 Gladstone e Dale [16] encontraram uma relação diversa entre n e r, qual seja, n = kr + 1. Independentemente de qual seja a expressão correta, a verdade é que existe uma dependência íntima entre o índice de refração de um meio e a sua densidade.

Esta interdependência entre r e n permite-nos especular sobre alguns aspectos relacionados à natureza do campo refrator. Isto porque a intensidade do campo está relacionada não à massa do objeto que o dá origem mas, como vimos acima, à densidade do mesmo [17]. Trata-se de uma característica sui generis e a merecer algumas reflexões.

Uma possível solução seria admitir que a mesma partícula que gera o campo refrator presta-se como agente impermeabilizante do campo gerado por suas semelhantes. O campo iria sendo parcialmente bloqueado ao atravessar essas partículas, ao contrário do que acontece com o campo gravitacional. Nestas condições, o campo refrator da lâmina de vidro mostrada na figura 15 seria a somatória do campo produzido pelas partículas mais periféricas (situadas na zona representada em vermelho na figura 15) pois o campo das partículas restantes (situadas mais profundamente) estaria sendo bloqueado pelas partículas dessa própria película geradora do campo.

Figura 15
Figura 15: O campo refrator (em rosa) gerado por uma lâmina de vidro seria produzido
por uma camada periférica (em vermelho) e a depender da densidade dessa
camada (que não deve diferir da densidade do vidro)
.

Embora o campo produzido por cada partícula aparente ser bem mais intenso do que o campo gravitacional, este efeito bloqueador, ou impermeabilizante, faz com que a "carga" atrativa não atinja mais um caráter acumulativo a partir de certo limite. Pela mesma razão, os campos gerados em lados opostos da lâmina, como mostra a figura 15, não se somariam, ao contrário do que acontece com o campo gravitacional de uma casca material. Nestas condições não é difícil prever que o campo refrator num ponto P próximo à superfície seria o mesmo, qualquer que fosse o tamanho (ou a massa) da lâmina e, nestas condições, o seu valor em cada ponto relacionar-se-ia não à massa da lâmina mas à densidade do material que constitui a lâmina.

Um aspecto que merece ser aqui referido relaciona-se ao fato de o campo refrator manifestar-se de maneira significativa apenas em fenômenos que ocorrem em curtíssima distância, como sugere a experiência de Newton descrita no item 2.1 e figura 2. Por ora não há como garantir este achado como absoluto, mesmo porque observa-se, na experiência citada, que a partir de certa distância (limite da região em que o campo refrator opera razoavelmente bem) a atração é substituída por uma repulsão e esta parece relacionar-se ao fenômeno difração (interação tipo II - vide Tabela 1) a ser estudado oportunamente.

2.3.2 Assuntos conflitantes relacionados à decomposição da luz

Vejamos agora uma situação bem mais crítica e relacionada à decomposição da luz branca ao atravessar um prisma. Observa-se neste caso que cores diferentes sofrem refrações diferentes (figura 16). Fosse a luz constituída por corpúsculos simples, a teoria do campo refrator não conseguiria explicar este fenômeno pois, como comentado logo após a equação 9 (item 2.2.2) o índice de refração n é função apenas da velocidade com que a partícula entrou no campo, e não de propriedades peculiares aos corpúsculos (como, por exemplo, a massa). Consequentemente, todos esses corpúsculos simples seriam refratados igualmente, não ocorrendo a decomposição da luz branca.

figura 15

Figura 16: Decomposição da luz branca>

Veremos logo a seguir como sair desse impasse mas antes, e para tanto, será importante nos situarmos frente à concepção de luz material, segundo Newton. Digo luz material e não luz corpuscular porque a rigor Newton não chegou a descrever seus corpúsculos de luz, se bem que esses hipotéticos corpúsculos tenham sido enaltecidos como se fossem pequenas bolinhas por muitos dentre seus seguidores ou críticos. O que Newton descreveu e definiu, logo no início de sua obra, foram os raios de luz. Segundo suas palavras: By the Rays of Light I understand its least Parts, and those as well Successive in the same Lines, as Contemporary in several Lines [18].

Ora, se a menor parte da luz é um raio de luz, não podemos pensar nesta que seria a sua unidade estrutural e funcional (ou seja, a menor parte a conservar todas as propriedades de luz) como sendo uma bolinha!!! Quando muito, e para simplificar ao máximo, seriam pequenas cordas, como mostra a figura 17. Nesta imagem visualizamos algumas cordas Sucessivas (na mesma linha horizontal) e algumas cordas Contemporâneas (na mesma vertical). As cores estariam então relacionadas ao comprimento das cordas.

figura 16
Figura 17: Um feixe de luz homogênea (de uma cor só) e a estrutura
primária de suas partes, (em vermelho) a simularem pequenas cordas.
Essas partes foram referidas por Newton como “raios de luz”.

A analogia mecânica para o caso em apreço, seria a da trajetória de uma corda em um campo gravitacional. Uma corda flexível e, portanto, dotada de um certo grau de elasticidade, ao passar em alta velocidade por um campo gravitacional poderia assumir a disposição mostrada na figura 18.

figura 17
Figura 18: Possível trajetória de uma corda em um campo gravitacional

A corda contorce-se ligeiramente e, em determinados trechos, pode dar a impressão de estar andando parcialmente de lado. Após a curvatura a corda prossegue em sua disposição retilínea, como se quase nada houvesse acontecido além da mudança da direção. O centro de massa da corda deve se comportar de maneira semelhante àquele observado para um corpo rígido, e a trajetória deve depender apenas do campo e da velocidade de entrada neste campo. Cordas com massas diferentes, mas com a mesma velocidade inicial, seguiriam uma trajetória idêntica. O mesmo seria de se esperar para os raios de luz imaginados como pequenas cordas frente ao campo refrator. Consequentemente não haveria a decomposição de cores da luz branca (figura 16) e portanto o impasse continua. Os raios de luz newtonianos não podem ser tão simples como mostrado na figura 17.

Fixemos agora a atenção num dos aspectos relacionados à elasticidade e que foi desprezado na analogia mecânica correspondente à figura 18. Vamos nos contentar, por ora, com a queda livre no vácuo e num campo gravitacional e vamos pensar em outro exemplo, pois a elasticidade das cordas é, via de regra, muito pequena e/ou não apropriada para o estudo. Sejam então dois sistemas, AB e CD (figura 19), o primeiro constituído pelos corpos A e B unidos por uma mola e o segundo constituído pelos corpos C e D unidos por uma haste rígida. A, B, C e D tem massas iguais e a mola e a haste idem.

figura 18

Figura 19: Queda livre dos sistemas AB e CD definidos no texto.

Os dois sistemas A+B+mola e C+D+haste estão fixos ao teto e apoiados em uma prancha p (em roxo) disposta de maneira tal a que a mola não fique distendida inicialmente (nesta situação AB e CD têm o mesmo comprimento). Num dado momento solta-se B e D do teto e, concomitantemente, retira-se a prancha p de sua posição. Os dois sistemas iniciarão um movimento de queda livre. Pergunto: Qual dos dois centros de massa atingirá primeiro a hipotética linha S mostrada na figura 19. A altura h deve ser concebida como tão grande quanto se possa imaginar e o campo não deve ser aproximado para uniforme mas sim pensado rigorosamente como dependente de 1/r².

Ora, se a mola se distende durante a queda (pois a força gravitacional em A é sempre ligeiramente superior à força gravitacional em B), o sistema AB ganha energia potencial na mola, o que não ocorre com o sistema CD pois a haste é rígida. Se os centros de massa (CM) dos dois sistemas permanecessem lado a lado, o sistema AB teria retirado mais energia (cinética + potencial da mola) do campo gravitacional do que o sistema CD (apenas energia cinética). A menos que isso seja compensado por uma menor energia cinética de AB, mas neste caso os CM não andam lado a lado. Consequentemente o CM do sistema CD deve atingir a hipotética linha S antes do CM do sistema AB. Temos então uma aparente violação da lei da queda livre. O paradoxo é resolvido graças ao conhecimento da estrutura secundária dos dois sistemas (diferença entre mola e haste) e apelando para o caráter conservativo do campo (conservação da energia).

Se ao invés de queda livre pensarmos nos sistemas AB e CD como tendo uma velocidade inicial em outra direção que não aquela que passa pelo centro do campo gravitacional, as trajetórias serão curvas. Neste caso os corpos seguirão trajetórias distintas, e a maior curvatura será aquela apresentada pelo sistema CD (CD manifesta em maior intensidade os efeitos cinéticos produzidos pelo campo).

Percebe-se então que pode se compatibilizar o modelo mecânico newtoniano de três leis com a existência de um espectro de refração, aceitando-se a ideia de luz corpuscular filamentosa e da existência de um campo refrator. Os corpúsculos no sentido de bolinhas, caso existam, não estão absolutamente soltos, como em uma rajada de metralhadora, nem absolutamente presos, como no caso da haste rígida. Quiçá haja, no lugar da mola, algum campo através do qual esses corpúsculos interagem entre si assumindo aquela estrutura imaginada por Newton como raios de luz e com a distância entre um corpúsculo A e outro B relacionada à cor manifestada pelo raio de luz. Há de se notar que este raio material, ao atravessar um plano, comportará um período T (intervalo de tempo Dt entre a passagem de A e B) e uma frequência (1/T).

Nota-se também que aquela história de que, no escopo do modelo newtoniano, seriam necessários tantos corpúsculos diferentes quantas são as cores do espectro torna-se sem sentido.

2.3.3 Sobre a reflexão total

Um efeito bastante interessante e relacionado à refração diz respeito à passagem dos raios de luz dos meios transparentes mais densos para os menos densos, como na passagem do vidro para o ar ou para o vácuo. Se a luz incidir em um ângulo acima do chamado ângulo crítico, toda essa luz será refletida. A figura 20 mostra como seria a reflexão segundo a teoria do campo refrator.

figura 19
Figura 20: Refração (à esquerda) e reflexão total da luz (à direita), na
dependência do ângulo de incidência ser inferior ou superior ao
ângulo crítico.

(A figura acentua curvaturas que não seriam visíveis a olho nu.)

Este fenômeno foi observado experimentalmente, ratificado diversas vezes através de outras experiências e descrito por Newton com as seguintes palavras: Os raios de luz passando pelo vidro para um vácuo são curvados em direção ao vidro; e se eles incidem muito obliquamente ao vácuo, eles são curvados para trás no vidro, e totalmente refletidos; e esta reflexão não pode ser atribuída à resistência de um vácuo absoluto, mas deve ser causada pelo poder do vidro, atraindo os raios em sua passagem por ele para o vácuo, e trazendo-os de volta [19]. Esta(s) experiência(s) presta(m)-se a corroborar a ideia da existência do campo refrator e agora de maneira direta, ao contrário da experiência citada no item 2.1 e ilustrada na figura 2. Esta última apenas sugeria a existência do campo refrator e que seria o mesmo campo observado na experiência (prova indireta). Vale notar que estamos frente a uma situação em que o campo refrator é o responsável não apenas pela refração (observada no lado esquerdo da figura), mas também pela reflexão total. Mas isso não deve ser generalizado pois a reflexão comum, como veremos, se processa graças a um mecanismo diferente.

Newton observou ainda que a reflexão total poderia ser anulada umedecendo-se a superfície distal do vidro com água, óleo claro ou mel; ou ainda colocando-se um segundo vidro em contato com o primeiro como mostra a figura 21. Conclui então que nestes casos a atração do vidro é contrabalançada e tornada ineficaz pela atração contrária do líquido ou do segundo vidro.

figura 20
Figura 21: Anulação da reflexão provocada no vidro 1 graças à presença do vidro 2.
Em cinza o raio refletido que seria obtido pelo efeito apenas do vidro 1 (vide figura 20).

(A figura acentua curvaturas que não seriam visíveis a olho nu.)

O fenômeno não tem explicação para os adeptos da teoria ondulatória clássica, a não ser lançando mão de um artifício (hipótese ad hoc) engendrado pela física quântica e a que se deu o nome de tunelamento ou efeito túnel. É importante enfatizar que, se pensarmos em termos de teoria do campo refrator, não existe tunelamento algum, e a explicação poderia ser a mesma proposta por Newton há mais de 300 anos, ao assumir o desvio dos raios de luz provocado pela refração como consequente à atração da luz pela matéria.

2.3.4 Sobre a curvatura da luz produzida pelo Sol

Seja uma fonte de luz F, um corpo massivo C e um observador O localizados no espaço como mostra a figura 22. Na figura estão representados três raios de luz (1, 2 e 3) emitidos pela fonte F. Os efeitos foram exagerados para facilitar a visualização, ou seja, a figura não está em escala real.

figura 21
Figura 22: Explicação no texto

O raio 1 curva-se devido ao campo gravitacional de C e de tal forma que incide sobre C. O raio 3 curva-se devido ao campo gravitacional de C e não incide sobre C. O raio 2 também não incide sobre C, mas passa rente a C e dentro de uma fina camada (verde na figura) a representar o campo refrator. Se o campo refrator não existisse, este raio prosseguiria segundo a linha em azul na figura, atingindo O’. Não obstante o campo refrator, conforme a receita apresentada por Newton e já discutida exaustivamente, curva ainda mais este raio, de maneira que ele sai segundo a trajetória em vermelho mostrada na figura (raio 2, à direita), atingindo o observador O. Para o observador O tudo se passa como se a fonte F estivesse na posição F’.

Pensemos agora no caso de o campo C ser o Sol, o observador O estar situado na Terra durante um eclipse solar total e a fonte F ser uma estrela. Segundo Einstein, e para o caso de estrelas observadas durante eclipses solares totais, metade do ângulo FOF’ poderia ser justificado graças à atração gravitacional e o desvio todo somente teria explicação apelando-se para considerações relativísticas. Nas palavras de Einstein: It may be added that, according to the theory, half of this deflection is produced by the Newtonian field of attraction of the sun, and the other half by the geometrical modification (" curvature ") of space caused by the sun [20].

Em nenhum momento Einstein fala em outro campo que não o gravitacional, muito embora a existência de um campo refrator de natureza não gravitacional tenha sido demonstrada experimentalmente no século XVII. O que Einstein chama de modificação ou curvatura do espaço é atribuído a um efeito relativístico do campo gravitacional sobre o espaço circunvizinho ao Sol.

3 - A interação do tipo II

A interação do tipo II relaciona-se à difração, termo este utilizado primeiramente por Grimaldi (1665) e relacionado ao desvio que os raios de luz sofrem ao passarem

  1. pelas bordas de um objeto, produzindo a sombra do mesmo em um anteparo; ou
  2. através de uma fenda, produzindo a mancha correspondente a esta fenda no anteparo.

Newton deu preferência ao termo utilizado por Hooke, qual seja, inflexão dos raios de luz ao passarem próximos dos objetos. Há de se notar que Grimaldi inclui, em sua difração, o desvio sofrido pelos raios de luz em direção à sombra [21], aquele que atribuímos nos itens anteriores como devidos ao campo refrator (interação tipo I), ao passo que Newton, ao analisar este fenômeno preocupou-se mais em relacioná-lo às imagens sob o ponto de vista macroscópico. Os raios da interação tipo II seriam aqueles a caracterizarem o que chamamos de sombra, ao passo que os raios da interação tipo I estariam incluídos na sombra, não fazendo parte do fenômeno em estudo no momento. Ao que parece, para Newton seriam inflexões de naturezas distintas e é por isso que estamos tratando-as aqui como interações de tipos diferentes (I e II).

3.1 A inflexão dos raios de luz segundo Newton

Vamos aqui analisar o conteúdo da Observação 1 do Livro III da Óptica de Newton [22]. A luz solar, constituída por um feixe de raios de luz, paralelos entre si, atravessa um orifício feito numa placa de chumbo e incide sobre um fio de cabelo projetando sua sombra sobre um anteparo, como mostra a figura 23. A figura “fala” por si só, não havendo muito que ser comentado, a não ser no que diz respeito à natureza e estrutura interna dos feixes de luz encurvados.

figura 22
Figura 23: Inflexão dos raios de luz. 1) Luz solar. 2) Orifício feito em uma
placa de chumbo. 3) Fio de cabelo (corte frontal). 4) Sombra projetada.
5) Anteparo. 6) Feixes divergentes de luz. 7) Sala escura.

Nesta experiência Newton ignora aqueles raios que se curvam em direção à sombra e relacionados à interação de tipo I. Mesmo porque, e ainda que estes raios produzam certas franjas tênues no interior da sombra, não chegam a desconfigurá-la como tal (dificilmente pode-se ver as franjas nestas condições). O que Newton chama de sombra é decorrente deste tipo de inflexão dos raios de luz (interação tipo II). Do contrário não haveria sentido dizer que os raios da interação de tipo I curvam-se em direção à sombra (o que é citado em outros trechos de sua obra).

A primeira dúvida que surge relaciona-se à disposição dos raios de luz nesses feixes divergentes (vide número 6 na figura 23), em especial devido ao fato de estarmos considerando a luz corpuscular. Seriam esses feixes divergentes de natureza semelhante a um fluido laminar, como aquele observado com as águas de um rio ao se curvarem frente a um leito rochoso? Ou será que os corpúsculos presentes nos raios de luz seguiriam uma trajetória bem definida e dependente da interação natural com o objeto responsável pela inflexão do feixe? A figura 24 é útil para que se entenda o questionamento apresentado.

figura 23

Figura 24: Inflexão dos raios de luz segundo Newton.

Vejamos inicialmente como seria a situação mais simples, ou seja, caso os feixes observassem o disposto na figura 24a (fluxo laminar). A figura 25 reproduz com mais detalhes parte do que já foi apresentado na figura 23. Neste caso, X representa o fio de cabelo. O anteparo é apresentado em duas posições (1 e 2) se bem que não concomitantes: ou ele está na posição 1 ou na posição 2. No primeiro caso a sombra terá a altura s1 e no segundo caso a altura s2. Nesta figura 25 estão representados apenas os raios mais internos do feixe infletido (um raio superior e outro inferior), ou seja, aqueles raios que delimitam as sombras 1 e 2 nos anteparos. Se a situação for tão simples como estamos supondo (fluxo laminar), este raio de luz será o mesmo nos dois casos como mostra a figura.

 

figura 24
Figura 25: Explicação no texto

Prolongando esses dois raios infletidos (o superior e o inferior) para a esquerda, eles se encontrarão no ponto C. A distância de C ao anteparo na posição 1 é l1 e a distância de C ao anteparo na posição 2 é l2. Não é difícil constatar que neste caso deveríamos ter:

  equação 15 (16)

Não obstante, não foi isso que Newton observou experimentalmente [23]. Ou seja, para a sombra s1 observada no anteparo mais próximo do cabelo, a sombra s2 correspondente é menor do que aquela que seria obtida através da equação 15, a sugerir que os raios que delimitam as sombras nos dois anteparos não são os mesmos, mas devem se dispor como mostra a figura 26. Comparar o cruzamento dos raios com aquele observado na figura 24b.

figura 25
Figura 26:

A figura 27 contem mais detalhes e a original é de Newton. Ela foi ligeiramente modificada mas conserva as letras utilizadas na descrição original. Neste caso, IS representa a largura da sombra projetada no anteparo e TI e VS (em vermelho) são dois raios que chegam ao anteparo sem se curvar quando o cabelo X é removido.

figura 26
figura 27:

Para o caso das fendas simples uma construção equivalente nos leva a algo do tipo apresentado na figura 28.

figura 27
Figura 28:

A figura 28 retrata um espalhamento dos raios de luz do tipo observado na difração em fenda simples, mas está longe de representar a difração como é observada na prática. Note que na imagem mostrada na figura, ou em qualquer outra que se construa qualitativamente e com os dados até agora apresentados, os raios distribuem-se de maneira contínua. Nestas condições haveria apenas uma mancha central de máximo de luminosidade e uma região periférica que gradativamente iria se transformando em sombra. Isto não é o que ocorre na prática. A experiência demonstra a existência de inúmeras franjas circulares cuja luminosidade se alterna, ora atingindo valores máximos, ora valores mínimos. A figura quando muito serve para caracterizar a mancha central e a ideia do espalhamento, mas não a difração.

Voltemos à experiência original de Newton (estudo da sombra de um fio de cabelo) mas agora com mais detalhes. Ou seja, vamos analisar o que é observado na região iluminada do anteparo, exteriormente à sombra. Newton encontrou aí três franjas claras e de várias cores separadas por regiões mais escuras. Na figura 29 estas franjas de várias cores foram representadas em amarelo e as regiões mais escuras em cinza.

figura 35
Figura 29: Franjas de difração construídas com dados
da tabela que acompanha a Observação 3
do Livro III da Óptica de Newton [24].

Percebe-se então que a difração deve sujeitar a luz a uma transformação bem mais complexa do que aquela sugerida pela figura 27, onde estão representados apenas os raios que delimitam a sombra do fio de cabelo.

3.2 A repulsão dos raios de luz ao passarem próximos a objetos

Newton, em sua Óptica, faz algumas considerações a respeito da causa desta repulsão. Por vezes dá a entender que os raios de luz de alguma maneira promovem vibrações nos objetos que encontra pela frente e os agentes destas vibrações seriam como que refletidos para além do objeto, retornando desta maneira aos raios de luz. Por outras, afirma que os raios de luz emitem vibrações etéreas e estas, viajando mais rápido do que os raios que as produzem, retornariam ao mesmo, promovendo o desvio repulsivo. A rigor tratam-se de proposições equivalente, pois o que chamei por agente das vibrações que agem sobre os objetos, no primeiro caso, seriam as vibrações etéreas descritas no segundo caso.

Pensando-se em um corpúsculo simples teríamos algo como representado na figura 30. Em linguagem atual poderíamos dizer que o corpúsculo emite um campo a denunciar o seu movimento de aproximação e este campo seria refletido nos objetos retornando então ao corpúsculo, onde exerceria uma ação repulsiva. A figura ilustra apenas dois tempos mas o processo deve ser pensado como contínuo e tal que a trajetória inflete-se suavemente durante a passagem do corpúsculo pelas vizinhanças do objeto.

figura 29
Figura 30: 1) Corpúsculo de luz. 2) O mesmo corpúsculo em um tempo posterior.
3) Objeto no caminho do corpúsculo (por ex., um fio de cabelo).
4) campo emitido pelo corpúsculo (no caso, a denunciar o seu
movimento de aproximação).

A primeira pergunta que surge é: Que tipo de campo seria este? Em um de seus artigos não publicados Newton chega a sugerir que o movimento da matéria poderia originar forças agindo à distância em outras partículas materiais. O artigo De Aere et Aethere [25] é onde essa ideia está melhor explicitada e, neste caso, ela é utilizada para explicar tanto a propagação do calor quanto a propagação do som. Na Óptica Newton utiliza-se do mesmo princípio ao se referir a como os agentes dessas vibrações, originados nos raios de luz, e em virtude de seu movimento de aproximação, se propagam. E no último parágrafo dos Principia Newton dá a entender que todas as forças de interação a distância estariam sujeitas a um mesmo princípio, aparentemente relacionado ao movimento da matéria, mas conclui o parágrafo dizendo não haver, em sua época, número suficiente de experimentos para determinar e demonstrar esta afirmação com a precisão necessária.

No item 2.3.2 verificamos que a unidade estrutural da luz não pode ser um corpúsculo simples como aquele mostrado na figura 30. Com efeito, este corpúsculo simples não explica refrações diversas para cores diversas e não deve explicar também difrações diversas para cores diversas. Consequentemente, e a optarmos por aceitar a ideia de luz material, o raio de luz mais elementar deve ser filamentoso e a assemelhar-se a um segmento de um colar de pérolas com, no mínimo, duas pérolas (provavelmente com centenas ou milhares de pérolas). Estes corpúsculos (ou pérolas) estariam como que unidos por uma pequena mola a dar ao conjunto certa flexibilidade, como exigido pela teoria newtoniana (Questão 2 do Livro III [26]). A mola como tal não existe. O que deve existir é uma interação entre os corpúsculos contíguos, similar àquela que mantém a coesão entre as partículas dos objetos macroscópicos.

Com esta estrutura secundária (segmento de colar de pérolas) associada ao que é mostrado na figura 30, podemos agora tentar decifrar o que Newton pretendeu dizer em sua Questão 3: Os raios de luz, ao passarem perto das bordas e dos lados dos corpos, não se curvam várias vezes para trás e para a frente, num movimento semelhante ao de uma enguia? [26] Ou seja, a interação dos corpúsculos entre si (coesão) e entre os corpúsculos e o objeto promoveria uma imagem a se assemelhar ao movimento de uma enguia, se não de fato (ondulações da enguia), pelo menos em um sentido resultante.

É interessante notar também que ao explicarmos a difração por esta imagem, nota-se que ela deve ser tanto mais intensa quanto mais afastados estiverem os corpúsculos contíguos (a coesão entre os corpúsculos é menor, ou seja, os corpúsculos estão mais soltos). A luz vermelha, por exemplo, seria bem mais difratada do que a luz violeta. Lembrar que na refração quanto maior a coesão maior é o desvio sofrido pelo raio refratado e neste caso a luz violeta deve ser bem mais refratada do que a luz vermelha. E isto é o que realmente acontece, como verificado por Newton (Observação 11 do Livro III): Nesta Observação 11, onde as cores são separadas antes de a luz passar pelo cabelo, lê-se: os raios menos refratáveis, que quando separados do restante produzem o vermelho, foram infletidos a uma distância maior do cabelo [...]; e os raios mais refratáveis, que quando separados produzem o violeta, foram infletidos a uma distância menor do cabelo [...]. E outros raios de graus intermediários de refringência foram infletidos a distâncias intermediárias do cabelo [27].

As considerações efetuadas neste item dão conta da explicação da curvatura dos raios de luz, mas não vão além disso. Não há como explicar, a partir somente dessas ideias, a ocorrência de franjas de máximos e mínimos mostradas na figura 29. Continuamos então frente a um impasse e somos obrigados a admitir que a estrutura de raios de luz assemelhando-se a um segmento de um colar de pérolas, por si só não basta para explicar o que é observado experimentalmente.

 

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